Saber quando parar ou a lição de coragem de Caleb Ewan

Chega um dia em que aquilo que fazia o coração bater, aquilo que animava cada despertar, cada pedalada, não vibra mais. A bicicleta, esta companheira de route, torna-se silêncio. Não por falta de pernas, nem por desgaste físico. Mas porque a chama, a que está dentro, tremula e depois se apaga...

 

Por Jeff Tatard – Fotos: dall-efree.com

Isso é o que aconteceu com Caleb Ewan. Aos 29 anos, o velocista australiano decidiu virar a página, sem um último grito de guerra ou voltas finais. Ele para abruptamente, honestamente, lucidamente. A motivação não existe mais. O que ontem dava sentido a tudo, hoje já não tem. E ele não é o primeiro. Peter Sagan, antes dele, já havia colocado em palavras essa erosão invisível: esse prazer que desaparece, esse esporte que se tornou uma restrição.

Entre profissionais e amadores, essa mudança é mais comum do que se imagina.. Ele marca um momento crucial e íntimo, muitas vezes esquecido: o momento em que perdemos a chama. O assunto é delicado, mas essencial. Porque toca no âmago daquilo que leva um homem ou uma mulher a se superar... ou a deixar ir.

 

Saber quando parar ou a lição de coragem de Caleb Ewan
Um último suspiro. Olhar perdido, coração em outro lugar. Não é mais a dor nas pernas que pesa, mas a falta de sentido.

Um cansaço da alma

No esporte de alto nível, falamos muito sobre watts, VO2 máximo e ganhos marginais. Raramente falamos sobre o vazio. Desse cansaço que não podemos mensurar. Aquele que te agarra de manhã quando você acorda, quando subir na bicicleta já não faz seu coração bater. Aquele que transforma o routetarefas familiares em tarefas repetidas.

Caleb Ewan, assim como Sagan, como Tom Dumoulin ou Taylor Phinney antes dele, não apenas encerrou uma carreira. Ele colocou em palavras uma fratura que milhares de corredores amadores também vivenciam, longe das câmeras.

Carro Este mal não é reservado à elite. Ela também afeta o engenheiro de 35 anos que acordava todas as manhãs durante dez anos para ir pedalar ao amanhecer, o jovem supertalentoso que não sente mais nada em jogo, ou o ex-ciclista cicloesportivo que se profissionalizou muito rápido, esgotado pelas exigências.

O fogo sagrado não é eterno

Entramos no esporte por paixão. Mas muitas vezes ficamos lá por hábito, por identidade.. O ciclismo, assim como outras disciplinas, dá estrutura à existência. Ela canaliza, define o ritmo e guia. Torna-se quase uma espinha dorsal. Mas o que acontece quando a energia que o alimenta desaparece?

Para os profissionais, é o ritmo infernal do calendário, as expectativas, o medo de não vencer mais, as lesões. Entre os amadores, às vezes é a pressão que colocamos sobre nós mesmos, a obsessão pelo desempenho, a comparação constante. O Strava se tornou estresse. O prazer se transformou em uma corrida contra si mesmo.

E depois tem a idade. Responsabilidades. O corpo que cansa. Mudança de prioridades. A sensação de correr para fazer tique-taque, não para se emocionar.

Saber a hora de parar é um ato de coragem

É difícil admitir que você não quer mais. Parece vergonhoso, quase culpado. Como se o amor pelo esporte devesse ser inalterável. Como se você sempre tivesse que estar com fome. E, no entanto, saber como pousar a bicicleta é talvez um dos gestos mais dignos que existe. Porque ele diz: " Eu dei. Eu gostei. Mas eu me respeito o suficiente para não me forçar. »

Caleb Ewan tinha essa lucidez.. Vale tanto quanto qualquer vitória no Grand Tour. Isso mostra que um atleta não é definido apenas pelos seus resultados, mas pela sua capacidade de ouvir o que sente, mesmo quando isso o leva a dizer para parar.

Saber quando parar ou a lição de coragem de Caleb Ewan
Às vezes a coragem está em parar. Saber como parar de pedalar é se honrar, se respeitar e entender que o amor ao esporte não exige sofrimento.

Um convite para repensar nossa relação com o esporte

E se esse cansaço não fosse um fracasso, mas um sinal? Uma oportunidade para fazer um balanço. Para encontrar outra maneira de praticar. Menos competitivo, mais livre. Mais orgânico. Pedale pela paisagem, por você mesmo, sem pressão. Talvez a chama nunca se apague completamente. Ela se transforma. Queima em outro lugar.

Nos clubes, entre os jovens, nas estruturas de apoio, é tempo de falar sobre isso. Para ensinar não apenas performance, mas também equilíbrio. Para aprender a se proteger, a se ouvir. Dizer não também, quando necessário. Isto não é uma traição ao esporte. É amá-lo de forma diferente.

Porque no fundo…

A parte mais difícil é não dar o seu melhor. O mais difícil é ser feliz em uma bicicleta... e não ser mais feliz.. Então, para aqueles que, hoje, como Caleb Ewan, como Sagan, como tantos outros, sentem a chama se apagando: isso não é uma renúncia. Não é um fracasso. Talvez isso seja o começo de outra coisa. Um retorno ao básico. Um retorno a si mesmo.

Guillaume Judas

  - 54 anos - Jornalista profissional desde 1992 - Treinador/Apoio ao desempenho - Ex-corredor de Elite - Práticas desportivas atuais: route & allroad (um pouco). -Strava: Guillaume Judas

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